1. Um pouco de ficção
Capítulo 1: O enigma
Julia estava amadurecendo. Mas preferia que não.
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Havia um pesar na palavra sozinha, como se ele entendesse que não era um momento simples, mas que deveria ter fim. Julia avançou, e sentiu-se como se tivesse cinco anos, quando a atenção de pessoas que não conhecia de forma íntima a deixava muito constrangida. Ela nunca foi o tipo de criança que fazia graça para ganhar aplausos. Ou melhor, fazia isso somente com os pais. Quando uma visita chegava a casa, ela se postava rígida com as costas para a parede, e não desgrudava do acalanto da pedra até que a pessoa fosse embora. Ela não gostava de dar beijos de oi, nem de sorrir para os desconhecidos.
Ali, ela não tinha como se reclinar em nada, não tinha um bichinho de pelúcia que pudesse apertar. A rosa em sua mão ainda tinha espinhos, e ela teve certeza que cortou a parte macia e afundada da mão esquerda. Pela primeira vez na vida, percebeu que a realidade podia ser pior que os monstros no armário ou embaixo da cama. Sim, Julia estava amadurecendo. Mas preferia que não.
Ela relaxou a mão, e soltou a flor, enquanto fingia apertar os olhos por conta da luz do poente, que caia diretamente no seu rosto. Os poentes não seriam mais os mesmos. Ela não queria ver o caixão claramente, e quando a gente aperta os olhos com força o suficiente, pode enevoar a vista, e criar pequenas estrelas brancas que se confundem com a verdade. Ela se virou. O homem ainda estava lá, como prometido. Ela teve um último vislumbre do caixão, enquanto o primeiro gole de terra foi lançado em cima do corpo de sua mãe. E ela perdeu sua coragem, abraçou-se na camisa do pai, e só abriu os olhos quando estava em casa. Mesmo crescendo, o colo do pai continuava grande o suficiente.
2. Notícias
O que é narrativa?
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3. Dica
O Gigante Enterrado
Sempre que falo sobre passagens (e o que seria a morte senão a última passagem?), me recordo de Caronte, o barqueiro, e de um dos livros que mais amei nos últimos tempos: O Gigante Enterrado.
Caronte era filho de Nix (a Noite) e Érebo (a Escuridão). Era também irmão de Hipnos (o Sono) e Tânatos (a Morte). No mitema da catábase, ou descida ao mundo dos mortos, alguns heróis - como Héracles, Orfeu, Enéas, Dioniso e Psiquê - conseguem viajar até o mundo inferior e retornar ainda vivos, trazidos pela barca de Caronte. O nome Caronte é mais frequentemente explicado como um substantivo próprio de χάρων (charon), uma forma poética de χαρωπός (charopós), "de olhar penetrante", referindo-se tanto a olhos ferozes, brilhantes ou febris, quanto aos olhos de uma cor cinza. A palavra pode ser um eufemismo para morte.
Uma moeda para pagá-lo pelo trajeto, geralmente um óbolo ou dânaca, era por vezes colocado dentro ou sobre a boca dos cadáveres, de acordo com a tradição funerária da Grécia Antiga. Segundo alguns autores, aqueles que não tinham condições de pagar a quantia, ou aqueles cujos corpos não haviam sido enterrados, tinham de vagar pelas margens por cem anos. Mas, no mitema da catábase, ou descida ao mundo dos mortos, alguns heróis - como Héracles, Orfeu, Enéas, Dioniso e Psiquê - conseguem viajar até o mundo inferior e retornar ainda vivos, trazidos pela barca de Caronte.
Bachelard, no livro A Água e os Sonhos, se questiona:
Não terá sido a Morte o primeiro Navegador? Muito antes que os vivos se confiassem eles próprios às águas, não terão colocado o ataúde no mar, na torrente? O ataúde, nesta hipótese mitológica, não seria a última barca. Seria a primeira barca. A morte não seria a última viagem. Seria a primeira viagem. Ela será, para alguns sonhadores profundos, a primeira viagem verdadeira.
Para enfrentar a navegação, é preciso que haja interesses poderosos. Ora, os verdadeiros interesses poderosos são os interesses quiméricos. São os interesses que sonhamos, e não os que calculamos. São os interesses fabulosos. O herói do mar é um herói da morte. O primeiro marujo é o primeiro homem vivo que foi tão corajoso como um morto.
Nossas viagens são geralmente marcadas pela angústia porque a máxima da vida é que não controlamos tudo, não sabemos o que vai acontecer assim que colocamos o pé pra fora de casa. Em “O Gigante Enterrado”, um casal de idosos vive em uma terra marcada por guerras recentes e amaldiçoada por uma misteriosa névoa do esquecimento. Em meio a uma população desnorteada diante de ameaças múltiplas.
Mas há um problema/solução: eles se lembram de ter um filho, e decidem partir em busca dele. Assim, o livro é o próprio Caronte, que emcarba o casal numa jornada entre amor, perda, heróis da lenda arthuriana, guerra e peregrinagem. É um livro íntimo e maravilhoso.
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